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terça-feira, 10 de maio de 2011

O barqueiro

Vivemos numa época em que - podemos talvez afirmá-lo de forma pacífica - se pede muito aos professores e se lhes dá muito pouco.
Pede-se muito aos professores porque - numa sociedade em que, por vários motivos, a família tem perdido peso e capacidade educativa - é cada vez mais nas escolas que se realiza a educação das crianças, não já apenas na sua vertente de instrução, mas também - e num grau que cresce constantemente - em tudo aquilo que diz respeito à formação integral dos alunos como pessoas. Os pais - é um facto - não têm tempo para construir nos filhos uma personalidade humana equilibrada, ou, se quisermos, frequentemente não o têm. E, como as crianças passam na escola uma enorme fatia do tempo, os professores vêem cair sobre si uma responsabilidade, um peso, com o qual à partida talvez não contassem.
Um peso para o qual muitas vezes não estão preparados ou motivados: o de serem, além de transmissores de conhecimentos, educadores, no verdadeiro sentido da palavra, numa dose maior do que aquela que seria correcto esperar. Sei que é um peso que se pode ignorar e que, em muitos casos, é realmente ignorado: é muito fácil dizer ou pensar "isto não é comigo". No entanto, essa responsabilidade é, para tantos e tantos que insistem em arcar com ela, verdadeiramente real. E pesa mesmo.
Pede-se muito aos professores porque, de há alguns anos para cá, existe uma escolaridade obrigatória de nove anos que - segundo parece - em breve poderá ser mais extensa. Isto traz consigo, como se sabe, uma série de circunstâncias e situações que forçam o professor a uma enorme versatilidade para a qual deve estar preparado. Também a mudança frequente de escola e, consequentemente, de ambiente e de meio cultural é um factor que obriga os professores a uma superação constante.    
Disse, também, que é pouco aquilo que é dado aos professores. Há, possivelmente, um vencimento pouco satisfatório; há um certo rebaixamento social – digamos assim – que não anima os mais capacitados a escolherem esta profissão; há a falta de condições de trabalho... E há, sobretudo, uma enorme falta de preparação e formação dos professores, tendo em conta a grandiosidade da tarefa que lhes é pedida.
Por outras palavras, verificamos que existe em nós incapacidade para dar resposta a muitas das situações que diariamente se nos apresentam. Temos necessidade - temos demasiadas vezes necessidade - de inventar, de experimentar, de mastigar dissabores, de carregar dúvidas, de saborear o fracasso.
O pior é que, quando fracassamos, é muito possível que qualquer coisa se quebre sem remédio. Não em nós, mas nas mulheres e nos homens em potência que nos foram confiados para que, de algum modo, os construíssemos.
Somos o barqueiro e temos de levar gerações de um ponto a outro, em viagens mais ou menos grandes. É desastroso que procuremos fazê-lo sem que nos tenham ensinado a remar e a conhecer as correntezas do rio. Tal como seria desastroso confiar os comandos de um avião carregado de passageiros a um homem que toda a vida tenha sido, por exemplo, canalizador, só porque na verdade existem algumas canalizações em todos os aviões.
Temos de fazer muito mais do que dar aulas. Não será necessário reformular o sistema de formação de professores?

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